No momento, não há a onde eu me refugie, sou solitário, sem companheiro.
(Ôjo Yoshu, de Genshin)
Para participar do casamento do meu irmão, fui ao Japão em novembro. Encontrei-me com meu irmão depois de sete anos, e com meus pais, depois de três anos. Embora eu ficasse contente com o reencontro familiar, não pensaria em visitar o Japão se não houvesse o casamento. Primeiro, graças ao Buda minha família está bem, não há necessidade particular de visitá-la. Depois, acima de tudo, não sinto vontade de ir lá, onde devo sofrer de solidão.
Não pretendo dizer sobre a falta de comunicação na sociedade japonesa, devida ao desenvolvimento econômico, ou outros assuntos semelhantes. Seja onde for, o ser humano se sente solitário. Passando o tempo, se distancia cada vez mais longe de seu passado. A distância de passado vai esmaecendo-se e ao fim vai embora.
Nasci em Hiroshima e vivi lá com minha família até os dezoito anos de idade. Minha família é composta de três pessoas, mãe, meu irmão mais velho e eu. Depois de ter crescido, nunca me senti materialmente miserável, mas no início, quando nós três começamos a viver a situação não era tão mansa, segundo minha mãe. Ela nos levava para a escola quando começávamos a chorar na madrugada, pois em nossa casa faltavam o leite e a comida para nos acalmar. Como nós ficávamos com vontade de correr, encontrando o espaço livre, minha mãe, lá na escola, nos esperava até ficarmos cansados e sonolentos. Em Hiroshima, há uma comida típica do local, chamada okonomiyaki, que é extremamente saboroso e diferente de um prato do mesmo nome de Osaka. Na época minha mãe não conseguia pedir um prato deste para cada um de nós, mas pedia um só para dividirmos em três.
Desta vez, comi o okonomiyaki no restaurante que outrora frequentava, e ele estava gostoso, mas só isso. Quando encontrei com meu irmão, falamos sobre nossas vidas. Pareceu-me que ele estava estabelecido, enquanto fiquei sabendo que jamais haverá o momento em que nós três tentaremos viver juntos no dia a dia.
Quanto mais se vive, mais solitário se fica. Cada ano vai profundando a solidão. O ser humano nasce sozinho, morre sozinho, vem sozinho e vai sozinho.
Ainda me lembro de que quando eu tinha doze anos de idade, refleti sobre o inferno e o paraíso. Com minha cabeça coitada, é claro que o resultado da reflexão não se saiu bem... Concluí que não queria ir para o inferno, pois lá há sofrimento, nem queria, entretanto, o paraíso enjoativamente alegre. Um dos dois, porém, querendo ou não, será meu destino após a morte, já que nasci neste mundo. Depois de ter chagado a esta conclusão lamentavelmente ingênua, me arrependi de ter nascido. Isso foi antes de me encontrar com o budismo.
Esta condição sem saída, baseada na ideia de ciclo da vida e morte, é expressa em “a longa noite sem luz” no budismo. Nós vivemos nas trevas tão profundas e eternas, nas quais é impossível ter ideia do que é escuridão ou luz. Nem localizamos onde nos situamos e além disso, não sabemos quem está ao nosso redor, ou se alguém realmente está do nosso lado. A solidão absoluta é sentir-se só, embora esteja acompanhado. (ou talvez a existência de companheiro mesmo torne a solidão mais nítida e cruel)
Quando se trata de um 'budista', este termo denota uma pessoa que segue o caminho budista. Na tradição Shin budista, porém, é chamado de dogyo que significa aqueles que seguem o mesmo caminho. Diferentemente de ‘budista’, dogyo se refere a plural, não se reduz a singular.
Basicamente, o evento religioso é inviável com o esforço de uma pessoa só. Seja no Hanamatsuri ou no Hôonko, o evento religioso se realiza reunindo as pessoas. Além disso, há uma data de certa forma determinada para cada evento. O Hanamatsuri é realizado no dia em que o Buda Shakyamuni nasceu. O Hôonko marca a data do falecimento de Shinran. O ofício memorial também é realizado na data de falecimento de uma pessoa, reunindo a família, amigos e conhecidos. Assim, esta data convoca o passado que está cada vez mais distante.
Na ocasião de ofício memorial, o monge orientador declara o sentido do ritual que faz diante do Buda Amida, lendo o texto chamado de hyobyaku. Quando Honen, mentor do Shinran, faleceu, Seikaku Hoin, discípulo de Honen, seis anos mais velho que Shinran, realizou o ofício memorial de quadragésimo segundo dia do falecimento do mestre. Naquele momento, Seikaku declarou o sentido deste ofício com o texto lírico, imaginando seu mestre que fora nascer na Terra Pura.
(...) Eu e outros, igualmente, iremos nascer na Terra Pura para servir a Buda Amida. No primeiro momento de a flor de lótus abrir, me darei conta de que hoje me foi concedida a condição de ir nascer na Terra Pura, e no momento crepuscular das suas vidas, virei buscar os que aqui se encontram.
(Seikaku Hoin Hyobyaku Mon)
O ir nascer na Terra Pura é um ocorrido particular, e, ao mesmo tempo, é inviável se não houver seus pares. Segundo Seikaku, no momento em que for nascer na Terra Pura, ele recordará todos os participantes do ofício memorial e saberá que esta ocasião era a condição de ir nascer lá. Igualmente, outros participantes irão nascer, sendo conduzidos por aqueles que já nasceram. Isso é o trabalho do Buda Amida.
O ser humano nasce sozinho. Quanto mais vive, sua solidão fica cada vez mais profunda. Diante do Buda Amida, entretanto, a solidão se transfigura. Agora, a solidão é silenciosamente compartilhável. Todos os sozinhos seguem na mesma direção. Apesar de não saber onde está em meio a trevas, eles estão sendo conduzidos. Apesar de invisível, é audível. Uma voz que se ouve os conduz. Esta condutora é o Nome do Buda Amida.
A solidão do mestre Shinran era ainda mais implacável.
Lamentável, eu, Shinran ignorante, afogado no oceano de desejo carnal, desnorteado no meio da montanha de vaidade, não me regozijo de entrar nos números das pessoas determinadas a ir nascer na Terra Pura, não me divirto de me aproximar da realização da verdade. Devo me constranger, devo me lamentar.
(Kyogyoshinsho, capítulo de Coração Confiante)
Diante dele, não há apreço em integrar a colega de nembutsu e se aproximar da Terra Pura. Isso é lamentavelmente triste. A solidão do Shinran devia ser tão profunda que só podia exprimi-la diante do Buda Amida. Segundo o Sutra Menor, o sentido de Amida é o trabalho de salvação persistente que persegue aqueles que fogem, os abraça e nunca abandona. Quando Shinran escreveu a frase, “Devo me constranger, devo me lamentar”, acredito que ele recitou o Nome do Buda Amida. Foi o Buda Amida quem revelou a forma real de si mesmo. Apesar de se despir sua roupagem, Shinran estava envolvido no certo calor, porque a Luz do Buda Amida havia lhe atingido. Imagino humildemente que neste momento, Mestre Shin Budista recitou assim o Nome do Buda.
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