Silêncio é realmente audível
Ausência é intensamente existente
Quanto mais ensolarada,mais densa fica.
A treva almeja a luz
Oh luz, deitado no momento sombrio
Oh luz, penso no vago fitando o branco
Que seja o sono contínuo
O mundo deseja contigo
Quando as coisas não andam bem e me defronto com o impasse, ao refletir sobre o si mesmo, fico surpreendido com a intensa influência do meu passado. A fala de minha mãe, o comportamento do meu pai. Do ponto de vista atual, atrás do ato e da fala deles que procuravam ser pais apropriados e firmes, viam-se discretamente o medo indizível e a ostentação infantil. Isso tudo, agora, se repete em minha pessoa. Ao reconhecer esta influência, a tensão que prevalecia dentro de mim até esse momento se soltou com um suspiro, desarraigado diante de sua força irresistível. Nessa ocasião admiro o céu e encontro a lua.
A lua cheia sempre me lembra a mitologia acerca da vitória-régia que se origina no rio Amazonas. A planta só abre uma flor branca à noite, ou seja, sob a luz lunar, na superfície d’água entre as grandes folhas de 2.5 metros de diâmetro no máximo.
A mitologia é a seguinte em linhas gerais.
A moça de uma tribo, ao atingir a maioridade, foi pedida em casamento por vários homens de sua redondeza, mas ela não acenou que sim, pois estava extremamente apaixonada pela lua. Numa noite silenciosa, ela estava sentada à beira da lagoa expulsando os candidatos insistentes da sua mente. Ao fitar o céu enluarado, seu coração ficou palpitado pelo seu resplendor cujo o brilho não se fundiria com ela. Vislumbrava ofegantemente a lua refletida na lagoa por um tempo. O impulso exaltado pela impossibilidade de se juntar com a lua, a deixou determinada: por mais longe que ela fique da lua, seu desejo deveria ser cumprido com a lua refletida bem ali diante dela. Ela se jogou e jamais voltou. A lua que sentiu pena dela transformou a menina elegíaca em uma vitória-régia.
Essa estória é bastante similar ao conto da princesa Kaguya que integra o “Taketorimonogatari”, a mais antiga antologia de contos. Um dia um idoso que vivia de artesanato de bambu encontrou um pé de bambu brilhante, e por curiosidade ele o cortou com sua navalha. Dentro dele havia uma pequena menina sentada. Como este casal de idosos não tinha filhos ele se entusiasmou com a menina abençoada e a criou cuidadosamente. Ela cresceu tão bonita que os nobres chegaram a almejá-la. Mas ela se recusou a se casar com qualquer pessoa. Ela ficou aborrecida com as tentações mundanas e decidiu voltar acompanhada do Buda e os bodhisattvas para sua origem, a lua.
“Kaguya” não parece uma palavra japonesa. Durante muito tempo, a etimologia dessa palavra era desconhecida. Mas recentemente foi localizada no texto budista pelo excelente pesquisador, Kosei Ishii (Univ. Komazawa). Segundo ele, o termo Kaguya surge no Bussetsu Gatsujyonyo Kyo(Sutra da Mulher na Lua) que narra a respeito de uma mulher bonita e religiosa, chamada Gatsujyonyo que significa a mulher na lua. Os nobres que ouviram sobre sua beleza tentaram seduzi-la com joias e perfumes, etc. Enquanto isso ocorria, Gatsujyonyo, no dia 15 de agosto, sob a noite da lua cheia, praticava o ritual baseado nos oito preceitos. De repente uma flor de lótus brotou na sua mão direita com um brilho tal como o do ouro, o da prata ou o da esmeralda. E dentro dessa flor uma imagem do Buda apareceu resplendorosamente. No Sutra, a luz que a imagem do Buda emitia é descrita como “kakuyaku”(赫奕), do qual o termo “Kaguya ” deriva. Portanto, “Kaguya” denota a luz do Buda no contexto budista.
Tanto na mitologia indígena quanto no sutra budista a lua se refere a um lugar puro para onde o ser humano deve voltar. De fato, a luz da lua silenciosamente azulada atrai e acalma os humanos.
Mestre Shinran cita na sua obra prima o seguinte episódio do Sutra Nirvana.
Era uma vez, na India, um príncipe chamado Ajatasatru que usurpou o trono ao matar seu pai por vingança. Um dia ele se arrependeu de ter cometido este crime. O arrependimento se intensificou ardentemente e gerou tumores irremediáveis pelo seu corpo todo. Ele lamentou pela retribuição infernal do carma causada por seu próprio ato do passado. O Buda Shakamuni lastimou, entrou no samadhi e lançou uma luz para curar seus tumores. Esse samadhi é chamado de “gatsuaizanmai” (samadhi do amor lunar). O sutra ilustra a razão do nome desse samadhi. De acordo com ele, a luz lunar leva a alegria para o caminhante ao iluminar seus passos no escuro. Por isso esse samadhi é chamado de “estado plácido do amor lunar”. E também, como sua luz faz desabrochar o lótus azul, abre o bom coração nas pessoas. Por isso esse samadhi é chamado de “estado plácido do amor lunar”.
Observando bem a planta, o lótus tão lindo se enraíza na lama feiosa, floresce brilhante na treva noturna, sob a luz azul e silenciosa.
De vez em quando nós ficamos solitários tanto que em nenhum lugar podemos refletir sobre nós mesmos a não ser no silêncio como se todas as palavras perdessem o sentido. Nessas circunstâncias sempre a lua a ilumina com sua luz tênue tal como o Buda nos ilumina.
Shun-nen
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